24 de junho de 2008
SPFW - Mário Queiroz
Ken Park
Irreversível
E isto é uma pena, já que Irreversível é absolutamente genial. Apesar de contar uma história bastante simples (mulher é estuprada e seu namorado parte em busca de vingança), o filme se torna fascinante, narrando a trama em cronologia inversa, ou seja: começando na vingança e terminando em um período anterior ao estupro. Assim, quando encontramos Marcus (Vincent Cassel) pela primeira vez, somos levados a acreditar que o sujeito é um indivíduo animalesco, tamanho seu ódio. Porém, à medida em que vemos a raiva do personagem ser gradualmente 'desconstruída', percebemos que ele é uma pessoa comum, e que sua ira é fruto de uma tragédia - o que nos leva à inevitável conclusão de que, conforme as circunstâncias, qualquer um de nós poderia exibir aquele tipo de comportamento. E o cineasta Gaspar Noé é hábil ao ilustrar a confusão mental de seus protagonistas justamente através da movimentação de sua câmera – e, com isso, os quadros vão ficando mais estáveis à medida em que Marcus e seu amigo Pierre (Albert Dupontel) vão se 'acalmando' (o que se revela um recurso inteligentíssimo). Mas a fluidez da câmera não funciona apenas como 'termômetro' do estado psicológico dos personagens; a intensa movimentação dos quadros permite, também, que Noé crie belas transições no tempo e no espaço: no tempo, em função do retorno cronológico da narrativa, que é muitas vezes realizado através de cortes ocultados pela constante movimentação; e, no espaço, graças às fusões que se tornam imperceptíveis também através do movimento intenso (em certo momento, por exemplo, a câmera mergulha no interior de uma ambulância, passando, em seguida, para um camburão – e somos levados a acreditar que tudo foi feito em uma tomada contínua, o que não é verdade). Aliás, Irreversível é repleto de planos-seqüência (longas tomadas sem cortes) memoráveis, como aquela em que a câmera, inicialmente situada no banco dianteiro de um automóvel, parece sair do carro (que se encontra em alta velocidade) e focalizar os passageiros no banco traseiro, voltando a entrar pela janela dianteira momentos depois. No entanto, este longa não é apenas um prodígio técnico, já que o cineasta utiliza a trama para fazer curiosas indagações morais e sociais: logo no início da projeção, por exemplo, entramos em uma boate gay que chega a assustar pela depravação ali promovida (e percebam que costumo me considerar um sujeito liberal). Enquanto busca informações, Marcus interroga vários clientes do estabelecimento (cuja decoração remete ao Inferno) e é recebido com respostas como 'Enfia o punho em mim que eu digo!' e 'Me bate que eu conto!'. Porém, em vez de julgar, Noé mostra, posteriormente, uma festa promovida por burgueses heterossexuais e que também se assemelha a uma orgia. É como se o filme perguntasse: existe uma diferença real entre os dois lugares? Por que condenamos um e tendemos a aceitar o outro? Ao mesmo tempo, Irreversível promove um fascinante estudo – não de personagem, mas sim sobre o comportamento humano. Quando assistimos a uma conversa entre Marcus, Pierre e Alex (Monica Bellucci), que discutem o orgasmo, o assunto abordado é totalmente irrelevante, já que Gaspar Noé quer, na realidade, que compreendamos a dinâmica entre estas três pessoas, que as observemos em um ambiente de normalidade – e, a partir daí, percebamos como um homem carinhoso e gentil pode se converter em um assassino em questão de minutos (não estou revelando nada de importante, já que o crime em questão acontece nos primeiros minutos da história). E já que citei o assassinato, devo avisar que Irreversível não faz concessões ao espectador: enquanto outros diretores desviariam a câmera para evitar que a platéia visse os resultados dos golpes de um extintor de incêndio na cabeça de um homem, Noé faz a mais absoluta questão de manter o foco no rosto da vítima, que é gradualmente destruído diante de nossos olhos (o efeito foi obtido através de computação gráfica). Da mesma forma, a já famosa seqüência do estupro é realizada em uma única tomada, transformando-nos em testemunhas impotentes do drama de Alex (a performance de Bellucci nesta cena é estupenda). Defendendo a cruel teoria de que o 'tempo destrói tudo', Irreversível realça a dimensão da tragédia de seus três protagonistas ao levar o espectador a conhecer, primeiramente, o terrível destino que os aguarda. Assim, quando vemos aquelas pessoas em uma época ainda feliz, o peso do futuro confere um ar sombrio a tudo o que vemos – e a 'revelação' feita nos minutos finais da projeção intensifica este sentimento. Quando o filme chegou ao fim, confesso que chorei – não pelo que havia acontecido, mas sim em função do que ainda iria acontecer.
Amélie Poulain
Tecelagens e seus estoques!
Benedito Calixto
17 de junho de 2008
Assustadoramente estilosas
Os melhores figurinos da Broadway
Casa de Criadores SS 2008
.ADD (Attention Deaf Disorder). Faissal Makhoul, estilista da marca, trouxe meninos com faixas na cabeça, bem na vibe Menudos (canta, dança, sem parar!!!). Nos pés, sempre o tênis slip (ou iate) - outro clássico dos ‘80s - nas mais diferentes cores e estampas. Bolsa, colares e lenços no pescoço completavam o guarda-roupa desse novo homem que não vê problema algum em pegar uma ou outra peça do closet da namorada - ou do namorado!
.Marcelu Ferraz. Os meninos vieram numa profusão de estampas com referências à natureza. Impossível não olhar pro sapato de bico fino com a meia passando do tornozelo, que contrastava demais com o macacão, as batas, bolsas, faixas e viseiras. O mood do homem Marcelu Ferraz me lembrou o da ADD: acho que ele também pega coisas no guarda-roupa da sua garota, apesar do fofo do MF ficar mais na academia.
.Walério Araújo. Duas coisas a se esperar dos desfiles do Walério: um ar de magia carnavalesca e um final apoteótico – sempre protagonizado por ele. E agora parece que vai se juntar à tradição do seu catwalk uma modelo-celeb ou celeb-modelo. Na Casa passada, de Inverno 2008, teve Viviane Orth, a top que é queridinha de John Galliano (=Dior). Dessa vez, o show ficou por conta de Claudia Leitte. O estilista adora um bom ornamento na cabeça das belas e trouxe muitos deles, pra acompanhar os longões que, num passo de transformers, viravam curtinhos.
Fashion Rio 2008
.Homem de Barro. O casal Marcio Duque e Aline Rabello comandam a marca extremamente ligada ao artesanal. O resultado é delicadamente belo e complexo.
.Caroline Rossato. Ela, que é mais uma das novas estilistas do Fashion Rio, tem como destaque os acessórios e peças em couro, muito mais leves e elegantes do que o que normalmente é apresentado com o material. No mínimo, interessante.
.Juliana Jabour. Na coleção “oitentista” de Juliana Jabour, o tema foi “Sinestesia”. A marca ousou sair de sua competência essencial, a malha, e caiu nos tecidos planos. O resultado foi uma alfaiataria que não abriu mão do evasê e balonê, marcas registradas da estilista. Os vestidinhos, como sempre deliciosos, drapês suaves em tons de cinza e amarelo e a geometria em cubos: essas foram as chaves de um desfile sem muita novidade, mas com um charme inconfundível.
.Maria Bonita Extra. Ana Luiza Magalhães trouxe à passarela uma modelagem solta, com o universo masculino versando com o feminino. A linha de estilo da marca não se alterou muito. Foram vistos coletes sobrepostos a vestidinhos, suspensórios e um vestido rosa com uma discreta gravata - tudo muito feminino e sensual.
.Eliza Conde. A marca levou à passarela um retrô-moderno envolto na década de 20 e também com um ar de contracultura hippie. A extinta boca de sino deu o ar da graça, bem como o patchwork e as sobreposições. Uma deliciosa viagem no tempo entre flores.
.Coca-Cola Clothing. A estreante que causou furor no terceiro dia foi a marca da AMC Têxtil, Coca-Cola Clothing. Não pelos modelitos, mas sim por ser uma marca de refrigerantes alçando vôo pelo mundo fashion. A coleção seguiu uma linha bemmmm normalzinha. A idéia era acompanhar os estudantes do colégio à formatura. A malharia apareceu em peso, e não teve nenhum look drama.
.Cavendish. Retomando o tema contracultura, que já foi falado por aqui com o desfile de Eliza Conde, a marca também se jogou por aquelas bandas. Na realidade, eles preferiram adotar o tema “antimoda”, seja lá o que realmente for isso. Apareceram franzidinhos na cintura, flores bordadas, amplitude nos modelos, camadas em vestidos. O curto também estava por lá.
Água para elefantes
Go Speed Racer, Go!
Para criar um filme recheado de ação e velocidade, Larry e Andy fizeram uso de sua imaginação mais louca para conceber um estilo de corrida de carros diferente de tudo que se conhece. Os carros de corrida de Speed Racer funcionam em uma perfeita sinergia entre forma e função, capazes de acrobacias a 180 quilômetros por hora que desafiam a gravidade. Verdadeiras peças de arte altamente “customizadas”, cada carro de corrida é mais fantástico do que o outro e foi concebido para refletir a personalidade do corredor.Grant Hill diz: “Larry e Andy Wachowski estão sempre em busca de maneiras de ir além nas coisas. Pesquisamos alguns esportes radicais, como skate e snowboarding, que têm movimentos contínuos, e imaginamos como as pistas de corrida deveriam ser e até que velocidade os carros precisariam ir para que os corredores pudessem fazer manobras aéreas similares”.Logicamente, nenhuma corrida da LMC seria completa sem as táticas escusas, dignas de batalhas entre gladiadores, que provocam questionamentos sobre a ética, como lanças com ganchos, pneus com hastes e lâminas de serra. O produtor Joel Silver comenta: “Esta idéia de um esporte extremo, com ação de contato completo, melhor descrito como uma mistura acrobática entre as artes marciais e a Fórmula 1, foi batizada por Larry e Andy como ‘Carro-Fu’, ou seja, as artes marciais automotivas”.Após mais de 40 anos e inúmeras versões televisivas, a história de Speed Racer e suas aventuras no Mach 5 foi readaptada para a tela grande pelos irmãos Wachowski, que empregaram não apenas efeitos especiais espetaculares e ação de alta voltagem, como também técnicas de fotografia de ponta, geradas por computadores de alta tecnologia. Enfim, é um filme muito bom, e recomendo a todos que assistam, afinal quem nunca assistiu Speed Racer quando era criança?
28 de maio de 2008
25th Of March Street
Cyndi Lauper
Cyndi Lauper e a moda
As Pin Ups de Vargas
Baby Art - Trevor Brown
A irreverência de Paulo Bruscky
Fui ao MAC no dia 14 de Março, achando que seria mais uma daquelas exposições chatas obrigatórias. O que me ocorreu foi totalmente o contrário. Paulo Bruscky é um artista fantástico e eu simplesmente pirei na sua obra. Quando me dei conta a exposição tinha fechado e os seguranças estavam nos colocando para fora... Idéias que antecedem a obra de arte, jogos de linguagem e ironia. É isso que o público pode ver na exposição Ars Brevis. Trata-se da primeira mostra individual do artista pernambucano Paulo Bruscky, um dos pioneiros da arte conceitual no país. O nome da exposição deriva da efemeridade e da duração das obras, indo de encontro com um tema recorrente na produção do artista: o cotidiano. Os objetos do dia-a-dia são subvertidos de seu uso comum. O ferro de passar vira instrumento para criação da ferrogravura e o aparelho de fax se torna uma fotocomposição, onde é possível ler: “assim se fax arte”. As obras de Bruscky jogam com a interação entre o verbal e o visual, constituindo jogos de linguagem. Os livros compõem boa parte do acervo; mas não se tratam de livros comuns. Há o “Livro de Ar tista”, que é um tijolo de vidro, e o “Livro de pinturas”, onde as páginas estão no lugar dos pelos de um pincel. Um dos jogos de linguagem está na obra com o seguinte título: “Exposição de uma pessoa vestida sendo vista por uma pessoa nua sendo vista por várias pessoas vestidas numa exposição de nus”, de 1976. A produção do significado da obra de arte só se completa na mente do observador, que desempenha papel importante nessa construção de sentido, pois depende da observação do trabalho e da leitura de seu título. Essa dualidade entre o verbal e o visual também revela um lado irônico e bem humorado, como na obra “Quadro a óleo”, onde não se vê uma pintura feita com tinta de mesmo nome, mas latas de óleo de cozinha coladas na tela. A interação dos trabalhos de Bruscky não ocorre somente entre a obra e quem irá vê-la, mas também entre o artista e seu modo de produzir. Essa relação artista-máquina está no xerofilme, técnica criada pelo pernambucano, e que se trata da filmagem das fotocópias resultantes de sua interação com o aparelho. A relação artista-obra existe também para que se deixe claro que há um “eu” criador por trás de cada trabalho. Bruscky não quer se apagar no processo de construção do significado, já que na arte conceitual a idéia, o planejamento e as decisões possuem papel preponderante. Nas palavras de Sol LeWitt, artista conceitual americano, “a idéia torna-se uma máquina que faz arte”, e para que a idéia exista é necessário uma mente criadora. Exemplos disso é a obra “Registros”, de 1979, que mostra a atividade cerebral de Bruscky ao ouvir sons graves e agudos, e “Autum Raduum Retratum”, onde a caixa-craniana do artista é conseguida a partir de um aparelho de raio-x.